sexta-feira, 3 de junho de 2011

O exame da Ordem: remédio amargo

A discussão sobre a necessidade e a validade da aplicação de um exame após o curso de graduação para avaliar a qualidade individual do formado é bastante polêmica e suscita as mais divergentes e calorosas opiniões.

Ouve-se falar, principalmente com a recente onda de publicidade dos erros médicos, que um exame deveria(?) ser aplicado também aos formados em Medicina. Pela lógica, logo se concluiria que todos os graduados, bem como os formados nas carreiras técnicase etc, deveriam passar por um exame similar antes de ingressar na vida profissional.
Atualmente, apenas os graduados em Direito precisam se submeter a um exame para serem promovidos de bacharéis a advogados, aptos assim a excercerem plenamente a profissão. Como é a única carreira que exige tal avaliação, será tomada como base, o que não significa que as colocações não possam ser transportadas para outras áreas do conhecimento.

Fazendo uma analogia a uma brincadeira infanto-juvenil, trata-se de um cabo de guerra (para os leigos, é aquele jogo em que duas pessoas ou equipes, cada qual segurando em uma extremidade de uma corda, puxa, tentando 'arrastar', a outra equipe até determinado ponto).

Em uma das extremidades estão, entre outros, alguns representantes estudantis e alguns parlamentares, propondo a extinção do exame da OAB, alegando, dentre outras coisas, que não caberia à Ordem definir quem está, ou não, apto a exercer a profissão de advogado(1), que os estudantes deveriam ser avaliados no decorrer do curso(2) e ainda que não parece sensato e justo que o aluno passe por uma seleção inicial (vestibular), estude por pelo menos cinco anos e, ao final do processo, não se transforme automaticamente em advogado(3).

Do outro lado, integrantes do MEC e da própria OAB, defendendo a manutenção do exame como forma de garantir a qualidade dos profissionais que entram no mercado, uma vez que o MEC avalia apenas a qualidade da aprendizagem (e não a capacitação do profissional)(4). Além disso, com a extinção do exame, os cursos de má qualidade seriam beneficiados(5), argumento confirmado pelo dado de que 70% dos alunos de instituições públicas e particulares de boa qualidade são aprovados no exame(6).

O interessante, neste ponto, não é escolher uma das equipes e ajudá-la a puxar a corda, mas sim notar que o exame existe apenas para remediar uma série problemas maiores: 

Seria o MEC incapaz de avaliar, além da qualidade da aprendizagem, a qualidade do curso como um todo (programa pedagógico, corpo docente, infraestrutura)? E se a OAB avalia a qualificação individual dos graduados em Direito, uma vez que o MEC não é capaz de desempenhar tal tarefa, quem é que avalia os formados nos outros tantos cursos? (então precisamos garantir que temos os melhores advogados, mas não tem problema se tivermos médicos, professores e engenheiros mais ou menos? É essa a melhor explicação do MEC?)

Se a OAB participa do processo de criação dos cursos jurídicos no país e apresentou parecer contrário a quase 92% desses cursos(5), quem é que bateu o martelo para que tantos cursos sem qualidade fossem abertos? Teria sido o MEC?

Questionamentos expostos, não agrada a mim, particularmente, criticar o MEC. De alguns anos pra cá, uma série de ações e acontecimentos têm me levado a simpatizar com o ministério e com o ministro.

Imagino que o MEC tenha sim a responsabilidade de fiscalizar e, ainda, impedir a abertura de muitos cursos. Por outro lado, não podemos ignorar o fato de estarmos inseridos numa sociedade coordenada pela lei da oferta e da demanda. O que quero dizer é que dezenas ou centenas de cursos sem qualidade são (e continuarão sendo) abertos porque existem (e continuarão existindo) pessoas interessadas em cursá-los - quem é que não prefere fazer um curso superior na Uniesquina a permanecer apenas com o diploma do ensino médio, diante de um mercado de trabalho cada vez mais exigente?

Então, enquanto os métodos profiláticos não forem implementados e não começarem a surtir efeito, evitando a proliferação da doença-dos-profissionais-formados-sem-qualificação, eu me sinto na obrigação de ser favorável à terapia medicamentosa, que faz uso do exame para se curar dos agentes patológicos e mal-formados que contaminam o organismo da sociedade.

(1)Tiago Ventura, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes;
(2) deputado Vicentinho (PT-SP), formado em Direito, mas não fez exame da OAB;
(3)deputado Domingos Dutra (PT-MA);
(4)Paulo Roberto Wollinger, diretor de regulação e supervisão da educação do MEC;
(5)Marcus Vinícius Furtado Coelho, secretário-geral do Conselho Nacional da OAB;
(6)Ophir Cavalcante, presidente da OAB.




texto motivador: matéria publicada hoje no G1 (veja aqui)

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