quarta-feira, 29 de junho de 2011

Resposta ao blog Medicina na Federal!: Sistema de Cotas na UFRGS

Este post é o comentário que escrevi em resposta a esse post aqui, da blogueira Lari - meu comentário ficou meio grandinho, e não coube lá, então estou postando aqui.

Ela usou o exemplo da UFRGS para expor como funciona o sistema de cotas para acesso às universidades, e finalizou com uma pergunta: "Gostaria de saber a opinião de vocês. Vocês são a favor ou contra o sistema de cotas? Por quê?"
Parcialmente contra. Parcialmente a favor.
Contra porque o vestibular é, antes de mais nada, um exame classificatório (e eliminatório). Assim, tem como principal objetivo CLASSIFICAR os candidatos em ordem decrescente de desempenho e, como sabemos, os melhores colocados garantem uma vaga no curso pretendido. Dessa forma, parece-me incoerente e injusto reservar uma determinada quantidade de vagas para um grupo especial de alunos, sejam eles egressos de escolas públicas, negros, deficientes ou etc, uma vez que esses alunos garantirão suas vagas mesmo não estando entre os melhores classificados, além de, é claro, ocupar as vagas que pertenceriam a alunos com melhores pontuações mas que não são cotistas.
Na verdade, acho que todo mundo pensa dessa forma. Ocorre que a quase totalidade dos vestibulares não seleciona os melhores futuros graduandos, e sim os alunos mais bem preparados para um exame específico. E é fato, comprovado através de inúmeras estatísticas, que os alunos mais bem preparados para enfrentar o exame vestibular estão nas escolas particulares.
Diante dessa situação, e das sabidas deficiências no ensino público, descobriu-se um remédio para garantir a universalidade ao ensino superior, e eu diria até que com o intuito de dar um cala-a-boca em quem reclamava que só alunos das particulares obtinham êxito no vestibular: o sistema de cotas.
Ao meu ver, foi uma 'descoberta' providencial. Quiçá conveniente. Para governo, que não dá conta de aumentar a qualidade do ensino, e para os alunos das escolas públicas, que passaram a ver alguns colegas a mais sendo aprovados. O problema é que o sistema de cotas, como todos somos capazes de reconhecer, é paliativo.

Eu, particularmente, considerando a atual situação da educação pública no país, sou, por ora, a favor do sistema de cotas. E não é um absurdo pensar assim. O mesmo acontece na economia, quando pequenos empresários recebem, por exemplo, incentivos fiscais, para poderem concorrer com os grandes. Pode não parecer tão adequado comparar educação com mercado, mas é só uma forma de ilustrar que condições sociais podem sim justificar medidas corretivas para um sistema.
Para finalizar, e propondo sugestões para que o sistema de cotas passe a ser desnecessário, são necessárias duas ações: primeira, óbvia e quase utópica, que a educação pública atinja patamares de excelência - o que demanda muito mais investimento em educação; depois, não tão óbvia mas também quase uma utopia, que os exames vestibulares sejam totalmente repensados e reformulados. Um excelente aluno na graduação não precisa ter decorado fórmulas, conteúdos, enunciados, leis, dados, não precisa ter acumulado informações, precisa ter uma única habilidade, rara de se ver hoje em dia: saber pensar.
(Sugiro a leitura complementar dos textos de um colunista do iG, Mateus Prado, aqui).

Não podia deixar de comentar também o comentário que o colega Arthur fez ao post da Lari (consultem no blog dela).
- O comentário "quem é bom vai na raça" não cabe muito bem aqui, já que estamos discutindo, entre outras coisas, a reserva de vagas para candidatos da RAÇA negra, rs.
- O primeiro a entrar por cotas, geralmente, atinge sim a média do último candidato universal, o que indica que a injustiça não é tão grande assim.
- Também não é apropriado o uso do termo "discriminação", afinal, o exame vestibular é, em sua essência, um processo discriminativo - que separa os "melhores" alunos, dos "piores".
- Sobre os gêmeos, lamentável se usaram de má fé. Mas não existe uma escala padrão de cores do Inmetro, ou da OMS, para classificação de cor de pele. Tanto que a maioia dos questionários perguntam como o candidato se declara, ou seja, é uma autodeclaração - subjetiva. Tenho uma prima que é tão branca como a branca de neve, mas a mãe dela e todos os ascendentes são negros. Sim, ela pode se declarar como parda, por exemplo. Mas assim, no geral, eu não vejo justificativa nenhuma para haver cotas para negros. Pq uma coisa é dizer que alunos das escolas públicas aprenderam menos por conta de um sistema educaiconal carente. Outra coisa é dizer que alunos negros são menos inteligentes que os brancos. Em suma, sou absolutamente contra cotas para negros.

12 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. A cota para negros surge como medida corretiva para um sistema que segrega racialmente seus cidadãos. Não se diz que negros são menos inteligentes do que brancos - quem disse isso, afinal?, mas se afirma, na verdade, um preconceito social que existe e que segue velado. A idéia, através das cotas raciais, é justamente possibilitar a inserção social do negro no mercado de trabalho e favorecer sua ascenção social. Como, tipicamente, só os de cútis mais clara ocupam mais e melhores postos no mercado de trabalho e os de cútis mais escura, menores e piores espaços, a idéia é romper o ciclo de nascer e morrer pobre, propiciando mais oportunidades de qualificação educacional para essa parcela da população. O mecanismo é paliativo e tem raízes numa herança social maléfica oriunda de anos de escravidão no país. O que justifica cotas para alunos de escola pública, justifica, por isso mesmo e com maior intensidade, cotas para alunos afrodescentes de escola pública.

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  3. Oi Rica, obrigada pela opinião sobre o post, eu achei seu ponto de vista extremamente coerente, e compartilho dele.
    Quanto ao comentário do Emmanuel, queria só frisar, que a escravidão já acabou há mais de 120 anos, não acho que a injustiça social daquela época tenha de ser "remediada" hoje - nem que isso seja remédio, remédio pra mim é a pessoa se conscientizar que é igual às outras - porque hoje em dia a maioria do preconceito ao negro é feita por eles mesmos. Tudo é racismo. Quando era criança e me chamavam de alemoazinha eu não ficava brava, mas experimenta chamar um de negrinho pra ver se não mete até processo. A mesma coisa sobre o chamado "orgulho negro": ande com uma camiseta escrita "100% negro" e seja aclamado por "valorizar sua raça", ande com uma camiseta "100% branco" e seja chamado de nazista imundo. Parem de querer ser diferentes, antes de vocês seus pais e avós lutaram tanto pela igualdade, e agora vocês estão indo em rumo contrário apenas pra conseguir um que outro benefício com isso. Olha aí o Mandela e vê o que ele fez como presidente: instituiu vantagens para os negros da África do Sul se sobreporem aos brancos ou primou pela igualdade entre os dois? Acho que a visão sobre o racismo hoje em dia está muito deturpada...

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  4. Hahaha... "ir na raça" é mais força de expressão do que a própria raça, logo eu sendo alemão/russo.


    Se eu fosse escrever uma resposta aqui acho que iria começar a criar uma discussão muito massante sobre um tema que a gente não possui poder algum, somente uma opinião como o próprio "gosto".

    O problema é que muitas vezes é tratado como antiético não querer cotas para negro, índio, pessoinha que vem de colégio público.

    Eu acharia mais interessante se tivesse a opção: Prova universal/prova público. Assim, mesmo ele atingindo uma pontuação maior que a universal, entraria somente para o público ou ficaria de fora se o público tivesse resultado maior que o universal.

    ps: dá uma olhada nos candidatos-cotas UFSC, lá você vai ver que infelizmente o score para medicina do sistema de cotas e universal é bem diferente um do outro.

    Abraço!

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  5. Lari, concordo com vc sobre a questão dos negros, e automaticamente, não concordo com o Emmanuel (o que é bem frequente, rs). Acho as cotas para negros um absurdo sem tamanho, é o cúmulo do preconceito. E concordo também que os próprios negros se discriminam. O exemplo que vc deu das camisetas é perfeito.
    E se a cota para negros se justifica, então também precisamos de cotas para idosos, cotas para homossexuais, para judeus, para muçulmanos, e para tantas outras "minorias" oprimidas pela sociedade durante séculos e ainda hoje.

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  6. A escravidão acabou há mais de 120 anos e repercute até hoje nas relações sociais brasileiras. Ao mesmo tempo que a abolição da escravatura significou o fim de uma política oficial que transformava os negros em produto, significou também a liberação dos negros para ocuparem os serviços menos importantes no mercado de trabalho e poderem se amontoar em regiões hoje conhecidas como favelas. Houve ainda uma tentativa clara e descarada de embranquecimento do povo brasileiro, que embora tendo farta mão-de-obra negra, foi preterido em favor de mão-de-obra branca e européia. Por ter havido, ao longo da história, uma série de políticas governamentais que priorizavam serviços para a população branca, é que se fala em débito social para com a população negra. E aí, nessa questão toda se inclue desde o preconceito racial vivenciado pelos negros em seu cotidiano até os índices sociais mais baixos ocupados por essa camada da população. Trata-se de uma minoria, despossuída de força e influência, embora seja maioria númerica, e deve ser tutelada juridicamente como tal. Um dos primeiros princípios que se aprendem na faculdade de Direito é a noção de que fundamental é não apenas tratar igualmente na medida em que as partes se igualam, como também tratar desigualmente na medida em que as partes se desigualam. É esse preceito que justifica as cotas para alunos oriundos da escola pública e que justifica a aplicação de políticas afirmativas. Muito me impressiona quem é favorecido pelas cotas, achar tão absurdo assim a cota para negros. Fato que me faz pensar: "talvez se você não fosse de escola pública, você não seria favorável às cotas para egressos de escola pública". Não entendo quando você, Lari, afirma "remédio pra mim é a pessoa se conscientizar que é igual às outras". Impressão minha ou você sugere que todos são iguais e que não existe racismo no Brasil? E veja bem, não quero soar rude, mas beaseada em que você afirma que a maioria do preconceito contra negro é feita por eles próprios? Não é preciso pensar muito para perceber que isso não é verdade. Tenha certeza absoluta de quem contrata no mundo da moda, na globo, no show bussiness e em grandes companhias, não é negro. E sobre a pequena parcela que se discrimina, eu os convido à reflexão: será que se você só se enxergar na tv como a lavadeira ou empregada da novela das oito, ou como o segurança do shopping mais próximo ou com os olhares desconfiados que olham quando você entra em loja chique não conta na maneira como você mesmo vai se tratar? É um problema muito similar à questão da homossexualidade - embora eu ache que o negro praticamente desconheça o sofrimento pelo o que se é dentro de casa, situação bem diferente da arrasadora maioria dos gays. Até se aceitar e vivenciar plenamente seus desejos, os gays passam por uns maus bocados. Se os negros se discriminam tanto como você afirma, CERTAMENTE existem circunstâncias externas que os pressionam a talvez agir dessa maneira, negando a própria cor, a própria raça.

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  7. E aí, você continua. Compara o peso de ouvir um “alemãzinha” com o de ouvir um “negrinho”. É óbvio que existem cargas históricas e emocionais completamente diferentes em cada uma das expressões. É como você achar que o “galinha” ou “vagabundo” desferidos contra um homem, têm o mesmo peso quando desferidos contra uma mulher. Sabemos que não têm. E por essa e outras razões, também não é a mesma coisa usar uma camiseta “100% negro” e usar uma outra contendo “100% branco”. Esse discurso é o mesmíssimo que justifica “passeata pelo orgulho hétero”. Tudo isso soaria bastante cômico, se não fosse, de fato, trágico. E acaba sendo sim interpretado meio ofensivo pelo simples fato de que não existem motivos plausíveis para se justificar uma “demonstração de orgulho” dessas. Ora, negros, mulheres e homossexuais são minorias historicamente excluídas da ordem hegemônica ideológica das sociedades. Se existem grupos que sofrem ou sofreram restrição, esses que acabei de citar são alguns deles. Os dizeres na camisa e as passeatas são exatamente isso: uma afronta à ordem estabelecida que histórica e sistematicamente os cerceiam. O “100% negro” na camisa diz: “eu sou preto, tenho nariz largo e cabelo enrolado, sofro preconceito, mas eu me amo, e você, sociedade racista, vai ter que me engolir”. O “100% branco” não diz nada e ainda surge quase como que em contrapartida à mensagem dos negros. É por isso que também acho o exemplo da camisa um exemplo perfeito. Exemplo perfeito de insensibilidade e incompreensão.

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  8. Li e reli Emmanuel, e não consegui me convencer nem um tiquinho sequer...
    Ah, as partes sobre a moda e a mídia me fizeram lembrar de um outro grupo que precisamos incluir nas cotas: os gordinhos, tadinhos, são super discriminados desde meados do século passado.
    E o fato de um negro precisar usar uma camiseta "100% negro" para explicitar que se ama... bem, como diria um professor de psicologia que eu tive, necessidade de autoafirmação é um problema gravíssimo e, nesse caso, não serve pra nada senão expor o autopreconceito.
    A questão aqui é bem simples: estudantes de escola pública talvez mereçam vagas reservadas porque atualmente é notório que o sistema público de ensino é muito mais deficitário que o sistema privado.
    E os negros, precisam de cotas por quê? Os negros são mais deficitários que os brancos? Ou estamos tentando apenas recompensá-los pelo sofrimento da escravidão? Ah, me poupe!

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  9. O vestibular deixa de ser um processo seletivo e passa a representar um modelo compensatório?
    As próprias reservas de vagas são feitas para negros DE ESCOLAS PÚBLICAS. Ou seja, negros de escolas particulares não têm direito às cotas. Deduz-se, portanto, que o entendimento é o seguinte: se pegarmos um negro e um branco da escola particular, ambos têm as mesmas condições de aprovação no vestibular. Por outro lado, um aluno branco de escola pública tem muito mais chance de passar do que um negro da mesma escola pública. Contrassenso.

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  10. Não é simplesmente usar uma camiseta para explicitar o fato de que se ama. É muito mais que isso. É se amar quando a sociedade parece não te amar, não te acolher. O amor adquire um outro significado em contexto de ódio, Ricardo. É muito mais que mera necessidade de autoafirmação. É também levantar a sua própria bandeira quando a sociedade parece levantar uma outra contra você. É escancarar sua negritude, sua condição íntima e natural. Essa idéia de autopreconceito conduz à culpabilização da vítima do preconceito e se encontra inteiramente descolada de qualquer noção mais profunda acerca dos processos identitários que se estabelecem entre o indivíduo, a sociedade e o grupo ao qual ele acredita pertencer dentro da sociedade. Ninguém nasce se detestando; acreditar no oposto disso é, na verdade, fazer vista grossa para com idéias coletivas de hostilidade e intolerância.

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  11. A comparação entre um grupo historicamente maltratado, traficado feito rebanho e escravizado em diversos países em diferentes épocas de seu passado com um outro agora excluído do ordem global de magreza e beleza ideal chega a ser risível. É jogar o preconceito misógino, a cultura patriarcal, a homofobia, o racismo na vala dos fenômenos mais comuns e efêmeros. Distintamente da questão da cor, o padrão de beleza mantém estreita relação com o que hoje se entende por saudável. Embora seja óbvia uma imposição cultural que, muitas vezes, sugere uma aparência impossível de ser alcançada ou uma magreza prejudicial, leva-se em consideração a certeza científica da possibilidade de maiores danos à saúde pela existência de gordura em excesso no corpo. A lógica que leva ao surgimento desse preconceito, com relação aos gordos, por exemplo, é completamente diferente da lógica que leva ao surgimento do preconceito de cor, portanto. Mas se você acha que a comparação entre os índices sociais de negros e brancos no país e a percentagem de negros e brancos ocupando o sistema prisional brasileiro não te dizem nada, não serei eu quem irá dizer alguma coisa.

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  12. Muito coerente Rica. Concordo com voce.
    Bjs Lily

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